Últimas Notícias
Brasil
Mostrando postagens com marcador Montezuma Cruz. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Montezuma Cruz. Mostrar todas as postagens

Ditadura deu cadeia a militar que governou Rondônia duas vezes, operando milagres

MONTEZUMA CRUZ*

A história do tenente-coronel paraquedista Abelardo e Alvarenga Mafra, ex-governador do extinto Território Federal do Guaporé não aparece em livros, tampouco é conhecida no Estado de Rondônia. Até há pouco tempo estava oculta*. Apoiar seringueiros, indígenas isolados e a incipiente mineração sem dispor de dinheiro algum foi, sem dúvida, o grande feito desse militar visionário filiado ao Partido Trabalhista Nacional (PTN). Um mito de verdade.

Palácio Presidente Vargas, nos anos 1950: aqui Abelardo Mafra recebeu telegrama o exonerando do cargo em seu segundo governo

Em 2019 eu pesquisava a respeito de antigos governadores territoriais, quando me deparei com a história de um homem dedicado e injustiçado por golpistas de 1964.

Tenente-coronel Mafra conseguiu administrar com precário orçamento, mas foi vítima de perseguição política de militares superiores, do Rio de Janeiro

Terceiro e nono governador dos extintos territórios (Guaporé e Rondônia), Mafra viveu o começo do conturbado período de troca de governadores entre 1961 e 1964, ainda com a economia sustentada pelo extrativismo. Exerceu o cargo de 18 de março de 1961 a 13 de setembro daquele ano – quase seis meses.

Voltaria pelo Partido Social Democrático (PSD) para outro meteórico governo de três meses, de 27 de janeiro de 1964 a 24 de abril daquele ano. Quando assumiu o cargo, Rondônia tinha apenas um deputado federal, Renato Clímaco Borralho de Medeiros (PSP).

Sem justificativa inteligente, o Conselho de Segurança Nacional impediu Abelardo Mafra de criar uma companhia mista de desenvolvimento constituída por garimpeiros de cassiterita, empresas privadas e órgãos governamentais.

A disputa de poder entre cúpulas militares é antiga no Brasil, vem desde o início da República. Analisando o controvertido período ditatorial, vê-se que o projeto de Mafra para a cassiterita foi cumprido menos de duas décadas depois por outro paraquedista, o coronel Jorge Teixeira de Oliveira, ao criar em seu governo a Companhia de Mineração de Rondônia (CMR). Essa empresa até ensaiou o controle da produção de ouro.

Duas vezes governador territorial, na última o tenente-coronel Mafra deixou o cargo em setembro de 1964: demitido por telegrama transmitido ao Palácio Presidente Vargas, ele foi levado preso a bordo do navio Princesa Leopoldina, no Rio de Janeiro, onde permaneceu 52 dias.

Uma semana depois de voltar da prisão no navio, Mafra foi chamado ao Ministério da Guerra [antigo nome do Ministério do Exército, hoje, Comando do Exército], onde o general Lira Tavares o mandou para a reserva e até o expulsou.

Carta de protesto contra golpistas de 1964, escrita pela senhora Beatriz Segato de Alvarenga Mafra, saiu publicada no jornal “Correio da Manhã”

Indignada, a esposa do tenente-coronel, Beatriz Segato de Alvarenga Mafra, enviou carta de protesto ao general Artur Costa e Silva, presidente do Comando Revolucionário. Trechos dessa carta foram publicados pelo extinto jornal Correio da Manhã.

Miséria territorial

Não havia estradas, nem saúde, e a educação pública era ainda embrionária. A Guarda Territorial tinha o poder de polícia, e só.

O orçamento do extinto Território Federal do Guaporé não passava de 140 mil cruzeiros. A região, desde a velha Província de Matto Grosso, aparecia inteira no mapa do Brasil, mas dificilmente recebia do governo federal o que tinha direito para custeio, desenvolvimento social e investimentos.

Vila dos Remédios, Fernando de Noronha, década de 1950: palco da primeira experiência exitosa do tenente-coronel que veio governar o Guaporé

Abelardo Mafra veio para cá como “tábua de salvação”, pois acumulava experiência administrativa bem-sucedida anteriormente, no Território Federal de Fernando Noronha.

Em tempo de migalhas financeiras para territórios federais e filiado ao Partido Trabalhista Nacional (PTN), ele chegava a Porto Velho sem que a população soubesse exatamente por que fora perseguido.

Mafra deixou escapar o “matador de mendigos”

Raivoso, o Comando da Revolução de 1964 cassou o tenente-coronel pelo Ato Institucional nº 1, que atingiu 25 militares paraquedistas, dos quais, dez demitidos e 15 reformados. Desses 25, quatro teriam participação direta no movimento fracassado para prender o governador da Guanabara, Carlos Frederico Werneck de Lacerda [1961-1965], em 4 de março de 1963.

Apelidado de “Corvo”, o ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda escapou de ser preso pela guarnição militar de Alvarenga Mafra

Lacerda, a mais forte voz da direita brasileira entre os anos 1950 e 1960, era ótimo orador, mas controvertido ser humano no campo social. Com o objetivo de “limpar a cidade”, ousou acabar com os mendigos do Centro e Zona Sul do Rio de Janeiro, matando-os.

No começo de 1963 uma equipe do jornal Última Hora, liderada pelo Luarlindo Ernesto Silva, seguiu um comboio policial e flagrou agentes jogando mendigos de cima de uma ponte. Os jornalistas conseguiram salvar uma das vítimas, e a partir de seu depoimento, pulicou uma série de reportagens desnudando o governo lacerdista. Isso resultou em CPI, que constatou mais de 50 casos de desaparecimentos de moradores de rua.

O golpe civil-militar de 1964 fez a CPI ser arquivada.

Mafra era, então, assistente do comandante do Núcleo da Divisão Aeroterrestre, general Alfredo Pinheiro Soares Filho, e fora designado para a operação de prisão de Lacerda, junto com o comandante da Companhia de Engenharia, major Rodovalho Alves dos Reis.

Inimigo de Getúlio Vargas

Inimigo político do ex-presidente Getúlio Dornelles Vargas, foi o grande coordenador da oposição à campanha dele à presidência em 1950 e durante todo o mandato constitucional do presidente, até agosto de 1954.

Uniu-se a militares intervencionistas e aos partidos oposicionistas (principalmente a UDN) num esforço conjunto para derrubar o presidente, por meio de acusações que publicava em seu jornal, Tribuna da Imprensa. Vargas suicidou-se em seu quarto, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, que era o Distrito Federal brasileiro.

Um dos articuladores civis do golpe de 1964, em 1966 Lacerda fora golpeado com a prorrogação do mandato do primeiro presidente no regime militar, marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. E em novembro daquele ano, após ter sido perseguido pelo regime que ajudou a criar, lançou o movimento de resistência denominado Frente Ampla, liderado por ele e por seus antigos opositores João Belchior Marques Goulart e Juscelino Kubitschek de Oliveira. Mas a “Revolução” cassou seu mandato em dezembro de 1968.

Apoiou estradas, mineração, seringueiros e indígenas

Em seu segundo governo, o tenente-coronel Mafra criou a Escola Artesanal de Guajará-Mirim, na fronteira brasileira com a Bolívia; reabriu a olaria do governo, asfaltou na Capital a estrada do antigo aeroporto [atual Avenida Presidente Dutra] até o Porto Velho Hotel [hoje administração da Unir]; e retomou as obras da BR-364.

Antes de o governo federal proibir a lavra manual de cassiterita [minério de estanho], em 1970, Mafra reconhecia esse enorme potencial que se tornaria bem conhecido durante o governo de João Carlos Mader (1965-1969), que por sua vez apoiava a criação do Estatuto da Mineração.

Pela razão de o País já ter aberto as portas a grupos multinacionais que anteriormente “namoravam” o negócio e se contentariam com sócios nacionais na extração desse minério.

O ex-governador Mafra firmou convênio com a FAO [agência da ONU para o combate à fome e à pobreza por meio da melhoria da segurança alimentar e do desenvolvimento agrícola], contemplando a borracha.

A extração do látex em seringueiras nativas constituiu o primeiro ciclo de atividade econômica desde antes da criação do Território Federal do Guaporé.

Mafra apoiou o bispo da Prelazia de Guajará-Mirim, dom Francisco Xavier Rey, e o padre Luiz Roberto Gomes de Arruda a evitar o alastramento de doenças e massacres praticados por seringalistas contra indígenas. No auge da expedição de contato dos Pacaás novos para juntá-los a outros grupos da mesma etnia contatados nos anos 1950, a Prelazia socorria indígenas com gripe, fome e tuberculose.

Remédios para indígenas

Enviou um carregamento de remédios ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI). A expedição partiu de Guajará em 20 de maio de 1961, dois meses após a sua posse.

Apesar de todo o esforço, os remédios escassos e a falta de salários levaram antigos expedicionários a abandonarem seus postos. Em agosto de 1963, na acareação com o diretor do SPI, Moacyr Ribeiro Coelho, a CPI da Câmara dos Deputados constatou que a expedição começara antes do governo João Goulart e, em nenhum momento, desmentira a morte de índios por pneumonia denunciadas pelo padre Luiz Arruda.

Humilhação

Em menos de três anos desde o primeiro ao segundo período de governo de Mafra, o Território Federal de Rondônia teve cinco governadores, todos com mandatos curtos.

Terceiro nessa nova fase, ele sucedeu a Paulo Nunes Leal, entretanto, a experiência administrativa de Mafra viera do período 1956-1957, quando era major e governava o Território Federal de Fernando Noronha, arquipélago pernambucano.

“Sem água potável, com apenas duas professoras, uma das quais pedira demissão da escola local, e uma associação civil que protegia a maternidade e a infância”, frisava. Em Fernando de Noronha funcionava o famoso presídio a céu aberto requisitado pelo presidente Getúlio Vargas em 1938 para abrigar 600 homens considerados subversivos, entre eles, o guerrilheiro e poeta Carlos Marighella.

Sumariamente exonerado do governo e excluído do serviço militar ativo, o tenente-coronel foi transferido para a reserva [o equivalente a aposentadoria para militares] e aposentado na patente de general de brigada, graças à anistia política em 1980.

Relatório de Mafra na internet revela que fora prestigiado por dois presidentes da República – Café Filho, autor de sua nomeação, e Juscelino Kubistchek que o visitou em Fernando de Noronha. Certamente, a experiência o credenciava a atuar na Amazônia.

No arquipélago, ele se deparou com a falta de coleta de lixo, moscas e mosquitos, planejou um forno crematório, e conseguiu três atuações de uma equipe do Departamento Nacional de Endemias Rurais para dedetizar todas as casas. Consta que, numa das vezes, exterminou 1.500 ratos.

Mesmo com larga folha de serviços e por mais que pudesse conciliar interesses, Mafra teve a vida pessoal devassada. Um simples telegrama dos Correios, entregue no Palácio Presidente Vargas, em Porto Velho, convocou-o com urgência a Brasília e de lá ele foi levado a um quartel do Exército no Rio, recebendo ordem de prisão.

Diversos oficiais superiores, capitães, tenentes e aspirantes – ao todo 112 – da Aeronáutica, Exército e Marinha – também ligados aos ex-presidentes Jânio Quadros e João Goulart também foram presos no mesmo período, entre 1964 e 1966.

Força “cutuba”

Em 1964, o então secretário geral Eudes Campomizzi Filho, que conhecia bem a realidade rondoniense, assumia interinamente o cargo de governador com amplos poderes transmitidos por Mafra, mas nem esquentou a cadeira.

Desembarcava silenciosamente no aeroporto de Porto Velho o capitão de engenharia Anachreonte Gomes, procedente de Manaus, intitulando-se interventor e obrigando Campomizzi a deixar o palácio. Essa parte da história é amplamente conhecida.

A força eleitoral “cutuba” estava em Porto Velho, dominando a política. Já os pele curtas, na descrição do professor Valdir Aparecido de Souza, da Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) foram assim denominados pela escassez de roupas e pela pobreza: “Eram os ferroviários, profissionais liberais e trabalhadores em geral, representados pelo médico Renato Medeiros, os renatistas.

* HISTÓRIAS OCULTAS

  • Para encontrar um tanto a respeito de Abelardo Mafra, este repórter pesquisou o arquivo digital da Câmara dos Deputados e alguns jornais do Rio de Janeiro, entre os quais, A NoiteCorreio da ManhãO Jornal.
  • Da mesma forma, daqueles que governaram depois de 1956, as bibliotecas guardam pouca memória.
  • Tão distante do antigo Distrito Federal, no Rio de Janeiro, o território pouco peso possuía no Congresso Nacional, no Senado Federal e no Supremo Tribunal. A Amazônia era um zero à esquerda no contexto político, salvo a história de suas guerras e suas riquezas naturais que começavam a despertar o mundo ainda no século passado.
  • Fotos: Museu da Memória Rondoniense e Arquivo Nacional

*Chegou a Rondônia em 1976. Em dois períodos profissionais esteve no Acre, norte mato-grossense, Amazonas, Pará e Roraima, a serviço da Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil. Acompanhou a instalação do Centro de Triagem de Migrantes em Vilhena e a chegada dos recursos financeiros da Sudam, Polamazônia e Polonoroeste durante a elevação do antigo território federal a estado. Deu ênfase à distribuição de terras pelo Incra, ao desmatamento e às produções agropecuária e mineral. Cobriu Mato Grosso antes da divisão do estado (1974 a 1977); populações indígenas em Manaus (AM); o nascimento do Mercosul (1991) em Foz do Iguaçu, na fronteira brasileira com o Paraguai e Argentina; portos, minérios e situação fundiária no Maranhão; cidades e urbanismo em Brasília (DF).

------------------


Nota de responsabilidade

As opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a posição editorial deste jornal.

Porto Velho, Amazonas, enaltece o governador Bacellar - Montezuma Cruz

MONTEZUMA CRUZ*

Em 1 de janeiro de 1918, passados 107 anos, a edição n° 65 do jornal Alto Madeira via 'tudo azul', ou seja, o Estado do Amazonas estava muito bem na gigantesca porção que alcançava a margem do Rio Madeira. Ao leitor mais jovem, que ainda não consultou história regional, saiba: Porto Velho tinha uma parte pertencente ao Amazonas. A edição comemorava o 'primeiro anno' de governo do Sr. Pedro de Alcântara Bacellar, louvando sua 'administração honesta e criteriosa.'

Governador Bacellar ganha elogios em seu 1º ano


 
Para o jornal, Bacellar atendia particularmente as condições especialíssimas do Amazonas. Isso, 'em meio à crise opressora que desde há muito tempo nos vem embaraçando os surtos de progresso.'
 
Bacellar foi médico, prefeito de Humaitá e, finalmente, presidente-governador) do Amazonas entre 1917 a 1921, nomeado pelo presidente Venceslau Brás.
 
Segundo o jornal, a administração Bacellar 'Inspirava-se nos sentimentos cívicos, se norteando por uma apreciável e reconhecida conduta de abnegado devotamento ao bem público, defendendo por todos os meios os sagrados interesses do estado, cuja sorte e cujo futuro são uma preocupação constante do atual governador'
 
'Envolvido em sérias e irremediáveis dificuldades financeiras; assediado por um sem número de pretendentes incontestáveis; castigado pelo serviço exaustivo; lutando com os maiores empecilhos, o Dr. Alcântara Bacellar vence o primeiro ano de administração com o estoicismo dos que têm a força de vontade, com a serenidade de uma consciência escoimada de culpas e a convicção de patriota dedicado, implantando no estado o regime ordem e da paz, que são a base do progresso, restabelecendo a confiança aos incréus, regularizando o serviço público, elevando assim o nome do Amazonas à culminância que merece entre os demais estados da República.'
Alto Madeira, edição nº 65, em 1918
O texto enaltecia, ainda, 'o regime de tolerância política, assegurando todas as garantias constitucionais à livre manifestação da imprensa, fomentando a lavoura, normalizando o crédito (...)'
 
Nessa edição, a primeira página também destacava o plano regional: 'A data de hoje é uma daquelas que não podem ser despercebidas da população de Santo Antônio do Rio Madeira. Releva-se de importância a posse do intendente geral e vereadores eleitos. 'Pode-se dizer que somente agora vai começar a vida normal do município, com a composição de seus corpos executivo e legislativo, da escolha livre e espontânea do eleitorado num pleito memorável, cientes todos esses cidadãos de suas responsabilidades, cônscios dos seus deveres, nos honrosos indumentos dos cargos que lhes foram confiados.'Otimista, o jornal arriscava prever: 'Cessarão naturalmente as competições políticas que tanto ocorreram para o aquebrantamento do vizinho município; terminarão as lutas estéreis; dissipar-se-ão rancores injustificáveis, uma vez que ambos os partidos que ali militam têm representação na Câmara Municipal, uma corporação especialmente política que deve merecer o apreço do executivo e o apoio de quantos a reconhecem como poder representativo local de influência preponderante nos negócios públicos (...).Vida Social:
 
'A esposa de nosso amigo Francisco Alves Erse, dona Marieta de Menezes Erse, deu à luz, no dia 29 do mês passado um interessante menino que recebeu o nome de Austerlitz.'
 
Internacional:
 
O jornal menciona fatos da 1a Guerra Mundial, que começou em 28 de julho de 1914 e durou até 11 de novembro de 1918.
 
O avanço vitorioso dos ingleses ao norte de Jerusalém e a proposta de paz aos aliados, pelo Natal.
'Destroyers alemães puseram a pique um comboio de navios neutros e um vaso de guerra britânico que os escoltava no Mar do Norte. O exército franco-italiano susteve a ofensiva germânica na região do Piave, apesar dos desesperados esforços do exército invasor. Foram condecorados diversos aviadores que servem no corpo de aviadores do exército francês. Na guerra civil na Rússia, Kerensky refez suas forças e avança sobre Petrogrado.'
 
Na seção Correio do Amazonas:
 
'Na Avenida Major Gabriel, o cabo de polícia Joaquim Ignacio Pereira, por questões particulares, desfechou três tiros de revólver em José Nunes Coimbra, distribuidor do 'Diário Official', ferindo-o levemente no braço esquerdo. Coimbra reagiu, dando-lhe uma facada. Foram ambos presos.'

Joaquim Tanajura era o superintendente municipal de Porto Velho. O jornal era dirigido na época por João Soares Braga e Cincinato Elias Ferreira. Bissemanal, tinha sua Redação e Oficina Gráfica na Avenida 7 de Setembro.

Mais sobre Santo Antônio do Rio Madeira, no livro: "A cidade que não existe mais", do jornalista Júlio Olivar.


*Chegou a Rondônia em 1976. Em dois períodos profissionais esteve no Acre, norte mato-grossense, Amazonas, Pará e Roraima, a serviço da Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil. Acompanhou a instalação do Centro de Triagem de Migrantes em Vilhena e a chegada dos recursos financeiros da Sudam, Polamazônia e Polonoroeste durante a elevação do antigo território federal a estado. Deu ênfase à distribuição de terras pelo Incra, ao desmatamento e às produções agropecuária e mineral. Cobriu Mato Grosso antes da divisão do estado (1974 a 1977); populações indígenas em Manaus (AM); o nascimento do Mercosul (1991) em Foz do Iguaçu, na fronteira brasileira com o Paraguai e Argentina; portos, minérios e situação fundiária no Maranhão; cidades e urbanismo em Brasília (DF).

De bumbum pra lua: chumbo, cobre, manganês e zinco são riquezas ainda invisíveis em Rondônia

MONTEZUMA CRUZ*

foto - divulgação

Chumbo, cobre, manganês, zinco e diamantes: muito antes da onda do agro, Rondônia já era considerada por lei uma imensa província mineral. Agora, o Atlas Aerogeofísico do Serviço Geológico do Brasil (SGB) identifica as principais áreas com minérios e metais no estado maior produtor de estanho (cassiterita) no País. O próprio diamante, cujas pedras deixam a região do Roosevelt contrabandeadas, já é conhecido no mundo dos negócios na Europa e Oriente Médio.

Ao mesmo tempo em que estudou o desenvolvimento da atividade aluvionar de diamantes em regiões do estado, o SGB (ex-Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais-CPRM) apontou diversos corpos kimberlíticos em três grandes campos majoritariamente localizados.

Mesmo com dificuldades na fiscalização, o setor mineral ofereceu ao estado um faturamento superior a R$ 3 bilhões em 2023, informa a Secretaria de Finanças.

Rondônia possui dois domínios magnéticos principais individualizados por um lineamento que atravessa longitudinalmente o estado, de direção aproximada leste a oeste. Tal lineamento separa o Complexo Jamari e a Suíte Intrusiva Serra da Providência da Bacia dos Parecis, Suite Intrusiva Cerejeiras e Complexo São Felipe, Formação Palmeiral e coberturas sedimentares cenozoicas. Já o diamante, há décadas se sabe, concentra-se na região do Roosevelt.

FIERO e governo conhecem

Durante a década de 1980 também funcionaram diversos garimpos de ouro aluvionar ao longo do curso dos rios Madeira e Mamoré, e outros de ouro associado a veios de quartzo em Colorado do Oeste, Corumbiara e Tarilândia. No entanto, eles tiveram curto período de atividade, à exceção das dragas para extração de ouro aluvionar no Rio Madeira.

Conforme publica o Atlas Aerogeofísico, novas ocorrências são descritas por trabalhos do SGB, ou por empresas de iniciativa privada, em commodities.

Após a pandemia da covid-19, a Federação das Indústrias do Estado de Rondônia e o Observatório Econômico do governo estadual avaliavam a comercialização do minério de estanho (cassiterita) em US$ 13,4 milhões, enquanto na forma bruta ele totalizava US$ 45,6 milhões. Em 2021, quatro anos antes do novo ataque a balsas no Rio Madeira, o ouro – principal ativo metal, – alcançava US$ 36,6 milhões em formas semimanufaturadas.

O Atlas Aerogeofísico do SGB necessitou de partes de sete diferentes projetos que foram unidos em uma única malha conforme os limites do estado. “Esta tarefa implicou a necessidade do reprocessamento e nivelamento dos dados brutos, e aplicação de filtros para enfatizar assinaturas anômalas”, assinala o documento.

Explicações técnicas

De acordo com a equipe de geólogos do SGB, uma das principais finalidades do uso de dados magnetométricos é localizar e definir a geometria de corpos de minério. “Só com uma extensa cobertura de dados magnetométricos é possível descobrir novas jazidas de minerais metálicos. De acordo com Isles e Rankin (2013), sem os extensos levantamentos magnetométicos realizados na Austrália e Canadá grandes minas de classe mundial não teriam sido encontradas”, explica o documento.

Essa divisão de domínios magnéticos também se reflete nos dados gamaespectrométricos. Nestes últimos também são observadas, sobretudo, formas circulares ou elípticas alongadas decorrentes de sua correlação com intrusões de rochas com composição granítica.

Manganês puro

Espigão do Oeste (leste de Rondônia) possui áreas de manganês, cuja qualidade ultrapassa 50% o teor de pureza do minério de manganês das jazidas pesquisadas pela Brazil Manganese Corporation (BMC) em Espigão do Oeste, Rondônia.

A reserva de origem hidrotermal nesse município tem apenas uma similar no mundo: a mina de Woodie, na Austrália. A BMC investiu R$ 12 milhões na modernização de sua planta, apurou este repórter em 2016.

foto - divulgação


Onde foram feitas prospecções

Os dados aerogeofísicos do Estado de Rondônia foram levantados em sete projetos: 1) Sudeste de Rondônia (Lasa Engenharia e Prospecções, em 2006); 2) Rio Machado (a mesma empresa, em 2009); 3) Rondônia Central (Lasa, em 2010); 4) Sudoeste de Rondônia (Prospectors Aerolevantamentos e Sistemas, em 2010); 5) Japuíra (Lasa Prospecções, em 2014); 6) Rio Branco-Machadinho (Lasa), em 2015; e 7) Rio Madeira-Ituxi (Prospectors), em 2015).

“Estes projetos levantaram perfis magnetométricos do campo magnético total e gamaespectrométricos de alta densidade, com linhas de voo e de controle espaçadas de 500 metros e 5.000m, orientadas nas direções N-S e E-W, respectivamente. A altura de voo foi fixada em 100 m acima do terreno”, relata o Atlas.

foto - divulgação

A pesquisa utilizou aeronaves equipadas com magnetômetro e gamaespectrômetro, posicionadas pelo sistema de observação de satélite GPS com precisão de 1 m. O magnetômetro com sensor de vapor de césio foi montado na cauda da aeronave (tipo Stinger)

As medidas foram realizadas a cada 0,1s o que equivale, dependendo da velocidade média da aeronave a uma medida a cada 7,7m. O gamaespectrômetro com detectores de cristais de iodeto de sódio (NaI) realizou a análise individual e precisa dos fototipos de potássio, equivalente tório (eTh) e equivalente urânio (eU). As medidas foram efetuadas a cada 1s, representando medições a intervalos médios de amostragem de aproximadamente 77m.

 

RAZÕES HISTÓRICAS

● O Decreto nº 64.590, de 27 de maio de 1969 (Decreto-Lei nº 1.101, de 27 de maio de 1969) estabelece a criação da Província Estanífera de Rondônia pelo Decreto nº 64.590 e a define a área territorial pelo Ministro das Minas e Energia.

● O Decreto-Lei nº 1.102, de 30 de março de 1970 estabelece um regime especial para o comércio de cassiterita (o minério de estanho) na Província Estanífera de Rondônia.

● O livro “Território dourado” (Imediata, 2024) deste repórter, descreve os garimpos de ouro Topless e Serra do Touro, na região sul do estado.

 Os primeiros recursos minerais a serem explorados sistematicamente no estado foram as mineralizações associadas com estanho aluvionar, seguidas posteriormente pela exploração de mineralizações primárias associadas à Suíte Intrusiva Rondônia, que remetem a meados do século XX.

● Esses recursos, além de outros associados a estas mineralizações (Nb, Ta, W), são explorados até os dias atuais por mineradoras e cooperativas garimpeiras. 

----------------------------

Texto anterior - Gênese rondoniense (4 - final) Aos olhos de observadores, William Curi foi “vítima de conspiração do partido do governo”

_____________________

*Chegou a Rondônia em 1976. Em dois períodos profissionais esteve no Acre, norte mato-grossense, Amazonas, Pará e Roraima, a serviço da Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil. Acompanhou a instalação do Centro de Triagem de Migrantes em Vilhena e a chegada dos recursos financeiros da Sudam, Polamazônia e Polonoroeste durante a elevação do antigo território federal a estado. Deu ênfase à distribuição de terras pelo Incra, ao desmatamento e às produções agropecuária e mineral. Cobriu Mato Grosso antes da divisão do estado (1974 a 1977); populações indígenas em Manaus (AM); o nascimento do Mercosul (1991) em Foz do Iguaçu, na fronteira brasileira com o Paraguai e Argentina; portos, minérios e situação fundiária no Maranhão; cidades e urbanismo em Brasília (DF).


--------------------------------

Nota de responsabilidade

As opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a posição editorial deste jornal.

Publicidade