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Gênese rondoniense (3) – No xadrez sucessório, a continuidade de Cury espremeu Teixeirão

Gênese rondoniense (3) – No xadrez sucessório, a continuidade de Cury espremeu Teixeirão

MONTEZUMA CRUZ * 

Sede do Banco em Washington DC, (Foto Agência France Press)

Depois da exoneração de William Cury e do êxito do Polonoroeste, o INCRA daria conta de titular 3,4 milhões de hectares de terras em Rondônia, somando-se os assentamentos ocorridos entre 1979 e 1983. O estado então crescia a passos largo: até junho de 1984 seriam mais 358,9 mil ha. O Núcleo Estadual Responsável por Migrações recebia do IBGE a confirmação da taxa de crescimento de 15,80% da população rondoniense, superando as médias de outros estados, especialmente os do Centro-Oeste

Dos Núcleos Urbanos de Apoio Rural (NUARs), de Ariquemes foi o que mais rapidamente cresceu, avalia Cury. O tamanho médio dos lotes era de cem hectares. Cinquenta por cento eram ocupados, e a outra metade  formada por culturas alimentares.

Houve ruidosa negociação para manter Teixeirão no cargo de governador. Pouco mencionado na história recente do estado, o senador Tancredo Neves agia nos bastidores políticos e firmava um acordo com diversos parlamentares para a continuidade do coronel.

–  Ele ‘enrolaria’ o MDB até as eleições – as primeiras do novo estado. Mas o senador morreu, e a nomeação do vice José Sarney para o cargo de presidente pôs tudo abaixo. Sarney não havia participado daquele compromisso – comenta Cury.

A respeito do período entre a fase territorial e o início do novo estado, o jornalista Lúcio Albuquerque assinala: “Teixeirão citou nomes para sucedê-lo, entre eles, o do presidente da Codaron. Talvez quisesse ser colocado de lado numa possível corrida sucessória, para poder tocar os primeiros movimentos da instalação do estado, mas o que ele pretendia efetivamente, levou para o túmulo.”

Conforme publicamos anteriormente nesta série, o diretor do Banco Mundial para América Latina, Robert Skilling, havia acenado: “Ele queria que eu fosse governador”, disse o próprio Cury.

A pressão emedebista resultou na indicação do deputado professor Ângelo Angelin para o mandato-tampão. O novo governo brasileiro recebia o slogan de “Nova República.” A migração seguiu crescendo. *

“Teixeirão foi um militar político”, afirma o economista Sílvio Persivo, graduado pela Universidade Federal do Ceará, doutor em Desenvolvimento Socioambiental no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos.

Ex-servidor da antiga Seplan estadual, ele afirma que “dividia as pessoas entre as que lhes eram úteis ou não.” E não duvida: “Bem possível que, naquelas circunstâncias, o Cury só tenha deixado de ser útil.”

“Bola da vez”

“Reconhecidamente, ele foi um dos técnicos que teve grande participação na consolidação do estado. Há muitos grandes nomes iguais a ele que não foram devidamente reconhecidos, a exemplo de Assis Canuto (ex-coordenador regional do INCRA nos anos 1970), que deixaram de ser técnicos e se tornaram políticos”, opina.

“A visão que tive na época foi a seguinte: quase sempre, quando alguma coisa não acontece como se previa é preciso arranjar alguém para ser culpado. Cury tinha uma proeminência muito grande no palco, até se apontava a possibilidade de um dia ser governador, então, ele foi escolhido como a bola da vez. Em política, como se sabe, não importam os fatos, o que vale é a narrativa dos que ganham”, aponta.

Embrapa levou Cury

Na criação da Unidade de Pesquisa (UEPAE), em 1975, o agrônomo Luiz Carlos Menezes ocupava o cargo de secretário-adjunto da Emater, quando a direção da Embrapa buscava apoio logístico e recursos humanos em Rondônia. "Cury era gerente de pecuária na Aster, sempre, com reconhecido trabalho sobre a pecuarização em Rondônia desde 1974. Então, nós cedemos o Cury para implantar a UEPAE, da qual ele foi chefe e chegou até a ganhar um prêmio outorgado pela Embrapa."

Quando secretário da Agricultura, Cury pediu preços mínimos para a produção (Reprodução do Alto Madeira)

Durante cinco anos a Embrapa constatava a existência de terras de boa e média fertilidade em Rondônia. “Existe um quadrilátero bem consolidado de Ariquemes até Cacoal, onde há solos de boa e média fertilidade, e ainda, de Colorado do Oeste, descendo por Cabixi.”

Mais de dez anos antes de Teixeirão a mecanização de lavouras no centro-sul e no sul do País incorporava pequenas áreas por grandes fazendeiros, e isso resultou na expulsão do agricultor – lembra Menezes.

Ele conheceu o agrônomo Assis Canuto e o coordenador regional do INCRA, capitão Sílvio Gonçalves de Farias em janeiro de 1970, segundo relata, “no banho do Cézar Zoghbi”, em Porto Velho.

Economista Silvio Persivo: "Ele tinha proeminência muito grande no palco (Foto Rondoniagora)

Formado pela Escola Superior de Agricultura e Agronomia Luiz de Queiroz de Piracicaba (SP), Canuto fez alguns agrícolas em Israel e veio escolher a melhor onde seria instalado o Projeto Integrado de Colonização Ouro Preto, que foi criado em julho de 1970, com o objetivo de assentar quinhentas famílias.”

Agrônomo Luís Carlos Menezes diz que a Embrapa notabilizou Cury (Foto Diário da Amazônia)

Missão na África

Após deixar o governo de Rondônia, Cury foi apresentar soluções agropecuárias para repúblicas africanas, por recomendação do Banco Mundial:

– Entramos nas tribos, respeitamos usos e costumes e demos orientações para eles implementarem projetos agrícolas – relatou Cury. Ele classifica de “indescritíveis” suas experiências na Costa do Marfim, Gabão e Marrocos.

– Só não trabalhei em países de língua portuguesa por causa da guerra. Vi muito sofrimento na Argélia.

Quarenta e três anos depois do Polonoroeste, o estudo Equilíbrio Delicado para a Amazônia Legal Brasileira – um memorando econômico, coordenado por Marek Hanusch, do Banco Mundial, assinalava:

–  As cidades enfrentam dificuldades para proporcionar bons empregos, e a informalidade é alta. Como a Amazônia Legal já é bastante urbanizada, 6,5 milhões da população pobre vivem em áreas urbanas (a maioria dos pobres da região) e 3,8 milhões em áreas rurais. Há lacunas significativas na prestação de serviços públicos.

Jornal do Brasil RJ acompanhou o início do novo estado brasileiro (Reprodução)

Serviços públicos no campo

Houve um progresso considerável com serviços de energia elétrica, mas a região ainda carece de muitos outros serviços: em 2019, 34% dos pobres rurais não tinham acesso a serviços de esgotamento sanitário aprimorados; 46% praticavam defecação a céu aberto; e 86% não tinham acesso à coleta de resíduos sólidos.

Não é declaradamente um “mea culpa”, mas o resultado de longa pesquisa feita por mais 20 analistas a serviço do Banco Mundial em toda Amazônia Brasileira.

A Covid-19 expôs algumas das fragilidades dos sistemas de saúde da Amazônia Legal, muitos dos quais estavam sobrecarregados durante a pandemia. Dados preliminares demonstram que a mortalidade nos hospitais da região Norte (que inclui sete dos nove estados da Amazônia Legal) foi mais alta que em qualquer outra região brasileira. De fato, a mortalidade entre os pacientes internados em unidades de terapia intensiva foi de 79% na região Norte (a mais alta do País).

O estudo antevê o futuro, inclusive para Rondônia:

– Um modelo de crescimento mais equilibrado e uma política com foco na intensificação agrícola são internamente compatíveis e podem criar um ambiente mais propício para a regularização fundiária que favoreça mais fortemente a conservação das terras naturais em vez da grilagem e da agricultura extensiva.

O financiamento para a conservação poderia fornecer mais incentivos. E acrescenta:

– Para ser eficaz, a regularização fundiária esclarecerá primeiramente a categoria de posse das áreas não destinadas, incluindo a destinação, o mapeamento, a demarcação e o registro de todas as áreas protegidas propostas em nível federal e estadual. A conclusão desse processo esclareceria os direitos fundiários e aumentaria os custos legais previstos e consequência da grilagem e de latifúndios.
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TEXTO ANTERIOR - Gênese rondoniense (2): “Criação do Polonoroeste foi minha, e pessoal” por Montezuma Cruz*


SAIBA MAIS

∎ Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário (INDA) deram origem ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

∎ Entre janeiro e junho de 1984 haviam chegado mais 82 mil pessoas ao estado, e até dezembro elas seriam 130 mil. Sucessores do trabalho do coordenador regional do INCRA, Reynaldo Galvão Modesto, Ernane Coutinho e o subcoordenador Ney Carvalho recebiam a Coordenadoria do INCRA sob o impacto da maior migração da história amazônica.

∎ Para assentar apenas um terço desse contingente, o governo estadual estimava investimentos de 12 bilhões de cruzeiros apenas para os projetos do INCRA Desse total, oito bilhões seriam consumidos pela abertura de estradas vicinais.  [Pesquisa do autor]

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*Chegou a Rondônia em 1976. Em dois períodos profissionais esteve no Acre, norte mato-grossense, Amazonas, Pará e Roraima, a serviço da Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil. Acompanhou a instalação do Centro de Triagem de Migrantes em Vilhena e a chegada dos recursos financeiros da Sudam, Polamazônia e Polonoroeste durante a elevação do antigo território federal a estado. Deu ênfase à distribuição de terras pelo Incra, ao desmatamento e às produções agropecuária e mineral. Cobriu Mato Grosso antes da divisão do estado (1974 a 1977); populações indígenas em Manaus (AM); o nascimento do Mercosul (1991) em Foz do Iguaçu, na fronteira brasileira com o Paraguai e Argentina; portos, minérios e situação fundiária no Maranhão; cidades e urbanismo em Brasília (DF).


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Nota de responsabilidade

As opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a posição editorial deste jornal.


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Gênese rondoniense (2): “Criação do Polonoroeste foi minha, e pessoal” por Montezuma Cruz*

Gênese rondoniense (2): “Criação do Polonoroeste foi minha, e pessoal” – Por Montezuma Cruz*

A Companhia de Desenvolvimento Agrícola do Estado de Rondônia (Codaron) durou até 1983. Até ali o Programa Integrado de Colonização do Noroeste Brasileiro (Polonoroeste) contribuiria com os projetos de colonização do INCRA. Cinco deputados estaduais elegeram-se à sombra do êxito da Codaron, e funcionaria em seguida o Plano Agropecuário e Florestal de Rondônia (Planafloro), para refrear a degradação ambiental e oferecer ações de assistência técnica, crédito rural, pesquisa agropecuária e florestal. Ao ser exonerado pela caneta de quem o designara para tão altas funções, Cury foi trabalhar em países africanos.

Mais da metade das atividades da Codaron já haviam sido previstas pelo engenheiro agrônomo William Cury na Embrapa, antes de ir trabalhar em campos africanos, na condição de consultor do Banco Mundial.

– A criação do Polonoroeste foi minha e pessoal: 80% da concepção do programa foi de minha lavra, só não saúde e educação – conta.

O então presidente da Companhia de Desenvolvimento de Rondônia, William Cury, ao lado de um colono e do presidente João Figueiredo, em ato de entrega de títulos de terras (Foto Rosinaldo Machado)


Na abertura desta série mencionamos o fato de Cury ter feito essas revelações a mim e aos colegas repórteres: Lúcio Albuquerque e Rosinaldo Machado.

Era um tempo em que ainda não se cogitava a comercialização de créditos de carbono a partir da floresta em pé. O Banco Mundial funciona com três divisões, e as que comandam as áreas técnica e de pessoal deram início ao Polonoroeste.

– Estive com o ministro Delfim Neto (Planejamento) e lhe informei que precisávamos de US$ 330 milhões. Ele indagou: “Se eu for dar R$ 330 milhões para Rondônia, quanto terei que dar para o Estado de São Paulo? Eu lhe disse que esse aspecto ele solucionaria com facilidade. E resultou na liberação de US$ 1 bilhão 300 milhões pelo Banco Mundial.

Delfim tinha as chaves do cofre. As portas já estavam bem abertas para o Governo de Rondônia, conta Cury:

– Ele (Delfim), o secretário-geral do ministério Carlos Viacava, e o Savasini decidiram aprovar os recursos, medida também compartilhada pelo economista José Flávio Pécora, que veio a ser ministro.

José Augusto Arantes Savasini e Viacava recebiam Cury pontualmente. À exceção de Savasini, Delfim Neto, Viacava e o ex-ministro da agricultura Alysson Paulinelli vieram a Rondônia. Viacava foi também presidente da CFP (Comissão de Financiamento e Preços).

– Eu conversava com eles de dia e à noite já estava com os recursos debaixo do braço, foi um avanço formidável na concretização das negociações para funcionar o estado.

Em 1979 e 1980 Cury sentiu o crescimento do projeto e o olhar governamental mais claro sobre Rondônia a partir do momento em que fez palestra numa sala lotada de economistas e outros assessores.

– Eu falei das 8h30 às 9h30 para abrir o debate, mas fui me alongando, e ao meio-dia pedi para parar. Ficava bem claro que o Polonoroeste era o melhor programa do Brasil, e eu até ouvi um elogio: diziam lá que eu era o melhor secretário de agricultura do País.

Segundo Cury, o Banco Mundial era comparado naquele período ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Inicialmente, o Polonoroeste tinha previstos US$ 330 milhões, entretanto, o programa fechou em US$ 1,2 bilhão beneficiando também Mato Grosso.

Quatro anos trabalhados

Para conceber o Polonoroeste o Governo de Rondônia trabalhou durante quatro anos com exaustivas negociações que vieram também beneficiar ao Estado de Mato Grosso. Aquele estado, então governado pelo engenheiro agrônomo Júlio Campos, deu um salto rumo a diversas obras rodoviárias

No ritmo desenfreado da migração, um estudo revelava que milhares de famílias chegavam depois de cumprir um ciclo: saíam do nordeste brasileiro, passando pelos estados do Paraná e Mato Grosso até chegar a Rondônia. Outros passavam por Goiás.

– Dois diretores do Banco vieram ao Brasil e a Rondônia, e aqui estiveram por minha causa. Nem sequer marcaram audiência com o governador Teixeira – relata Cury.

O ministro do Planejamento, Delfim Neto, autorizou o pedido de financiamento de US$ 1 bilhão 300 mil ao Banco Mundial, dando início à consolidação do Estado de Rondônia (Foto Salu Parente/Câmara dos Deputados)

DNER foi chamado

O Polonoroeste agigantou o ritmo de obras previstas naquele período, e com isso apareceram alguns desafios.

Cury se lembra de uma importante reunião com a presença do ex-secretário de obras Ademir Guerreiro Villar: “O governo sentiu a insegurança em fiscalizar todas as obras previstas. Eu sugeri que conversarem com a chefia do Departamento Nacional de Estradas (DNER), e esse órgão agarrou tudo com quatro mãos, topou na hora. Algumas rodovias ligavam regiões até então isoladas à BR-364.”

Aí, entra em cena a Companhia de Desenvolvimento de Rondônia (Codaron). Cada pagamento por trecho construído recebia o “aprovo” da empresa.

O maior contingente de migrantes rumo ao antigo território federal concentrou-se no início da década de 1980. Em comparação com o número total de migrantes entre 1977 e 1981, o número alcançou 28,37%. Já entre 1982 e 1985, chegou a 71,63%. Por diversos fatores, entre os quais, o aumento do capital investido nessa região e a pavimentação da BR 364 – inaugurada em 1981 e concluída em 1984.

O ex-governador de Mato Grosso e atualmente deputado estadual Júlio Campos (UB), depõe:

O progresso trazido pelo Polonoroeste abrindo canteiros de obras por toda Rondônia não foi propriamente um mar de rosas para o agrônomo Cury, cujo prestígio em ascensão incomodava de certa forma as principais secretarias do governo, notadamente a Seplan, cujo titular, José Renato da Frota Uchôa, considerava-se único na formulação de políticas públicas.

Uchôa fora trazido de Manaus por Teixeirão antes mesmo do primeiro dia de governo. Ao notar que a direção do Banco Mundial tratava absolutamente tudo, diretamente, com Cury, o secretário iniciou um problemático esperneio que culminou em choque de ideias, programas e da condução administrativa à construção dos Núcleos Urbanos de Apoio Rural (NUARs).

– Na verdade, eu não recebia ajuda dele, nem de secretário algum. Tudo o que fiz naquela ocasião foi fruto do trabalho da nossa equipe centrada e organizada para a instalação do estado – lembra Cury.

– A engrenagem da Codaron funcionava no antigo prédio da Coordenadoria Regional do INCRA (Rua José de Alencar), em boa sintonia com a Embrapa e a Sudhevea (Superintendência do Desenvolvimento da Borracha). Tanto que aproveitou o potencial de estudos de ambas e a necessária matéria-prima. Produzimos mudas para a formação de 25 mil hectares de seringueiras.

Cury ia regularmente ao Rio de Janeiro e ali visitava o Instituto Brasileiro do Café (IBC), que durante décadas controlou o fomento à cafeicultura brasileira, aprovando as melhores áreas de plantio. Era uma autarquia governamental vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio, que definia as políticas agrícolas do produto no Brasil entre os anos 1952 e 1989.

– Mesmo com audiências marcadas, o presidente (Jório Dauster Magalhães e Silva) nunca me deixava esperando. O IBC estabeleceu cotas de café para Rondônia. Dois técnicos vieram avaliar e liberaram um total de 10 milhões de covas.

Resolvidas a parte da produção e do seu escoamento, Cury buscava a direção do Banco Nacional da Habitação (BNH), e assim obteve autorização para construir 2 mil casas e entregá-las a pessoas de baixa renda.

Mesmo com trajetória exitosa naquilo que conseguiu fazer, William Cury foi exonerado pelo próprio governador Jorge Teixeira (Foto Rosinaldo Machado)

– Levei a notícia ao governador Teixeira.

Com tudo isso, nas quatro paredes das salas do prédio da Rua José de Alencar, a ordem era seguir adiante cada vez mais e dentro das amplas possibilidades de expansão agrícola então proporcionadas pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Banco Mundial).

A Codaron passava a ter autonomia e assim contratava 42 empresas de construção civil de Rondônia e 12 empresas de terraplenagem, todas daqui também.

Com muito tato e 100% de ousadia, Cury subdividiu projetos: em vez de licitar 42 Núcleos Urbanos de Apoio Rural (NUARs) para uma só empresa, entregou cada pacote de obras a empresas “pratas da casa.”

– Banquei essas empresas, e assim conseguimos dar conta de obras entre Ariquemes e Pimenta Bueno, e de Colorado do Oeste a Cerejeiras e Rolim de Moura.

Texto anterior - Gênese rondoniense (1): Marcha para o Oeste desembocou nos NUARs

*Chegou a Rondônia em 1976. Em dois períodos profissionais esteve no Acre, norte mato-grossense, Amazonas, Pará e Roraima, a serviço da Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil. Acompanhou a instalação do Centro de Triagem de Migrantes em Vilhena e a chegada dos recursos financeiros da Sudam, Polamazônia e Polonoroeste durante a elevação do antigo território federal a estado. Deu ênfase à distribuição de terras pelo Incra, ao desmatamento e às produções agropecuária e mineral. Cobriu Mato Grosso antes da divisão do estado (1974 a 1977); populações indígenas em Manaus (AM); o nascimento do Mercosul (1991) em Foz do Iguaçu, na fronteira brasileira com o Paraguai e Argentina; portos, minérios e situação fundiária no Maranhão; cidades e urbanismo em Brasília (DF).



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As opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a posição editorial deste jornal.

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Gênese rondoniense (1): Marcha para o Oeste desembocou nos NUARs

Gênese rondoniense (1): Marcha para o Oeste desembocou nos NUARs

 MONTEZUMA CRUZ*


Famílias de migrantes posam para a foto durante a viagem rumo a Cacoal e Espigão d´Oeste (foto Marcos Santili)


Existem outros grandes atores na ocupação e elevação de Rondônia a estado, mas a história oficial ainda fecha os olhos ao ex-governador Humberto da Silva Guedes, limitando-se a vangloriar o coronel Jorge Teixeira de Oliveira, Teixeirão, na condição de único milagreiro. Cometem injustiças contra algumas pessoas, entre as quais o ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento Agrícola de Rondônia (Codaron), William Cury, “pai do Polonoroeste.”

William Cury, 45 anos depois: pingos nos is a respeito da elevação de Rondônia a estado (Foto Rosinaldo Machado)

De Humberto Guedes, acompanhávamos as atividades governamentais quando ele confiou ao filho, secretário de Planejamento Luiz César Auvray Guedes, a contratação de profissionais de arquitetura e geógrafos da Universidade de São Paulo, para o planejamento de cidades. Somando-se esse a outros feitos, não é exagero dizer que aquele governador “plantava as bases dos futuros municípios.”

Por que não reconhecer o papel legítimo de outros atores, se até ex-ministros e suas respectivas equipes ofereceram o seu quinhão a um dos mais famosos partos geopolíticos do século passado: a criação do estado, três anos depois de Mato Grosso do Sul?

Isso ocorrera desde as notáveis reuniões entre os presidentes, generais Ernesto Geisel e João Baptista de Oliveira Figueiredo, Golbery do Couto e Silva (Casa Civil) e seus ministros João Paulo dos Reis Veloso, Delfim Neto – três titulares do Planejamento e Coordenação Geral; Maurício Rangel Reis (Interior) e Alysson Paulinelli (Agricultura).

Cada qual em seu quadrado, todos eles deram seguimento ao ímpeto da notável Marcha para o Oeste. Para viabilizar essa Marcha, o governo Getúlio Vargas estabeleceu acordo com os Estados Unidos, ainda durante a Segunda Guerra Mundial.

Antes de pisar solo rondoniense, o ministro Paulinelli já havia “caído nas graças” de Geisel ao lançar o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Polocentro) e apoiado o desenvolvimento agrícola da região de Dourados (MS).

Lembra o engenheiro agrônomo, pesquisador e professor universitário Eneas Salati, que os EUA queriam a borracha e o governo brasileiro necessitava de recursos financeiros para executar os planos de desenvolvimento. Recrutados no porto de Fortaleza (CE), os “soldados da borracha” nordestinos que optaram pela selva inóspita ao teatro da guerra viajavam de barco para Amazônia, incursionando por seringais brasileiros e até bolivianos.

Esse capítulo todos conhecem: a exemplo dos acreanos, com esforço incomum eles garantiram o látex exportado às indústrias automobilísticas e de aviação nos EUA. Mais tarde, no governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1961), a industrialização ganhava corpo. Ele queria fazer “cinquenta anos em cinco.” Para alcançar seus objetivos, optou por uma desnacionalização da economia e primou pela indústria de bens de consumo duráveis – eletrodomésticos e automóveis – em detrimento da indústria de base que tinha sido prioridade no governo de Vargas.

“O favorecimento a empresas estrangeiras provocou a aceleração da industrialização no Brasil”, analisou o também graduado em Agronomia Adriano Luís Schünemann. Nesse embalo, JK projetou Brasília, e com ela, a interligação dos diferentes centros econômicos do País.

Vieram ideias e projetos, e um deles se afunilou na construção da BR-29 (depois BR-364), que alcançou Cruzeiro do Sul, na fronteira Brasil-Peru.

Dois anos atrás, eu e os colegas Lúcio Albuquerque e Rosinaldo Machado ouvimos William Cury durante duas horas, na casa dele. Foi o tempo suficiente para clarear a maneira como os então governadores Teixeirão (aqui) e Júlio Campos (Mato Grosso) conseguiram o maior financiamento da história do Centro-Oeste da Amazônia Brasileira, a fim pavimentar “a estrada de JK e demarcar terras indígenas.”

O ex-presidente da Codaron e organizador do Polonoroeste, com os repórteres Lúcio Albuquerque e Montezuma Cruz (foto Rosinaldo Machado)

Bem depois dos anos 1970, quando deixou o interior paulista, ingressou na assistência técnica rural do ex-território federal e obteve vaga na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), já trabalhando para o governo Teixeirão, o engenheiro agrônomo William Cury tomou a frente da secretaria da agricultura e foi presidente da Codaron, criada para desenvolver 32 núcleos urbanos de apoio rural (NUARs), a maioria deles embriões para futuras cidades.

Ele nos contou que um dia saiu de avião de Porto Velho e desembarcou em Brasília, indo diretamente à sede do IPEA fazer palestra para um seleto grupo de economistas. IPEA é a siga do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, ligado ao Ministério do Planejamento.

Cury demonstrava à nata da tecnocracia a concepção do Programa de Desenvolvimento Integrado para o Noroeste do Brasil (Polonoroeste), que fora concebido sob suas mãos.

O ex-presidente da Codaron clareia a história, na qual agora aparecem aqueles até então ocultos, especialmente o ministro do Planejamento Antônio Delfim Neto, que autorizaria as negociações com o Banco Mundial para obras de asfaltamento da BR-364.

Da noite para o dia Rondônia e Mato Grosso desfrutavam do montante de US$ 1,2 bilhão, uma fortuna nunca imaginada por aqueles que sonhavam com o estado.

A dinheirama vinha de Washington, DC. Entusiasmado, o chefe da Divisão daquele banco para o Brasil, Robert Skilling, tanto apreciou o trabalho de Cury que desejava vê-lo governador!

Foi Bob quem” derrubou” Cury do cargo mais adiante, pois se acostumava a desembarcar em Porto Velho e dispensava despachar no Palácio Presidente Vargas, ficando à vontade na sede da Codaron, na Rua José de Alencar. O secretário de planejamento estadual, José Renato da Frota Uchôa, não gostava nada do que via.

As relações com Bob vinham desde Humberto Guedes, revelou-nos Cury em sua conversa. Em 1979, no final do governo daquele coronel, Cury trabalhava na Embrapa, quando o dirigente bancário americano vinha a Porto Velho pela primeira vez. 

“Ele desembarcou aqui, hospedou-se e foi diretamente ao Palácio Presidente Vargas, onde ouviu do governador Guedes:  Olhe, eu estou em final de governo, há situações que demandam tempo, procure o Cury” – descreveu.

No entanto, Guedes atendeu o visitante que programara passar apenas três dias em Rondônia, mas aqui permaneceu duas semanas. Bob tinha que conhecer a Embrapa.

“Eu o levei para todas as bases físicas da empresa aqui e no interior” – lembra Cury, citando Ouro Preto e Presidente Médici. Ali se desenvolviam cultivares de forrageiras, e em Vilhena vicejavam lavouras de café da variedade robusta.

O ciúme, uma das chagas da Humanidade, passou a correr solto e venenoso entre as paredes da sede do Palácio Presidente Vargas. Daí...

E numa terra que até então endeusava o ministro Mário Andreazza (Transportes e Interior), considerado o maior aliado de Teixeirão, é possível constatar nessa gênese outros atores importantes da construção do estado.

Texto anterior - Mader ajudou mineração que ainda desconhecia a “pedra da cura”

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No próximo texto, saiba como William Cury convenceu o ministro do Planejamento Delfim Neto a avalizar o dinheiro do Banco Mundial e quem fazia parte de sua notável equipe.

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*Chegou a Rondônia em 1976. Em dois períodos profissionais esteve no Acre, norte mato-grossense, Amazonas, Pará e Roraima, a serviço da Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil. Acompanhou a instalação do Centro de Triagem de Migrantes em Vilhena e a chegada dos recursos financeiros da Sudam, Polamazônia e Polonoroeste durante a elevação do antigo território federal a estado. Deu ênfase à distribuição de terras pelo Incra, ao desmatamento e às produções agropecuária e mineral. Cobriu Mato Grosso antes da divisão do estado (1974 a 1977); populações indígenas em Manaus (AM); o nascimento do Mercosul (1991) em Foz do Iguaçu, na fronteira brasileira com o Paraguai e Argentina; portos, minérios e situação fundiária no Maranhão; cidades e urbanismo em Brasília (DF).

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As opiniões expressas neste texto são de inteira responsabilidade do autor e não refletem, necessariamente, a posição editorial deste jornal.


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