Ofensiva russa durou cerca de dez horas; delegações americanas, russas e ucranianas estão em intensas negociações há semanas para chegar a um acordo que acabe com o conflito de quase quatro anos
A Rússia realizou um dos ataques mais longos e prolongados deste ano contra a Ucrânia durante a madrugada deste sábado (27), um dia antes do encontro entre o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e seu homólogo americano Donald Trump na Flórida, em meio aos esforços para pôr fim à guerra de quase quatro anos no Leste Europeu.
O ataque aéreo à cidade de Kiev, capital do país, matou pelo menos duas pessoas e feriu outras 44, incluindo duas crianças, segundo autoridades locais.
Mais de 40% dos prédios residenciais em Kiev também estão sem aquecimento devido às temperaturas congelantes, afirmou Oleksiy Kuleba, ministro do governo, nas redes sociais.
O ataque durou quase 10 horas. Mas os moradores permaneceram em estado de alerta, com sirenes de ataque aéreo soando intermitentemente ao longo do dia.
Falando a bordo de um avião rumo aos Estados Unidos neste sábado, Zelensky afirmou que buscaria um sinal, durante as negociações com Trump, de que a Ucrânia receberia garantias de segurança juridicamente vinculativas como parte de qualquer acordo de paz.
Ele também reiterou os apelos pelo fortalecimento das defesas aéreas da Ucrânia, afirmando que o país precisa de mais mísseis em meio aos ataques implacáveis da Rússia.
"O apoio dos europeus é importante para nós hoje. Não temos sistemas de defesa aérea adicionais suficientes", disse ele.
Antes de se encontrar com Trump, no domingo (28), Zelensky fez uma escala no Canadá neste sábado (27) para conversar com o primeiro-ministro Mark Carney.
Em declarações à imprensa antes da reunião em Halifax, Nova Escócia, Carney anunciou um auxílio econômico adicional de 2,5 bilhões de dólares canadenses para a Ucrânia.
Segundo uma fonte do governo canadense com conhecimento do novo pacote de ajuda, ele também permitirá que o Fundo Monetário Internacional empreste à Ucrânia mais US$ 8,4 bilhões.
Trump disse em entrevista à Politico que espera que o encontro com Zelensky “corra bem”, mas alertou que o presidente ucraniano "não tem nada a declarar até que eu aprove".
Ele acrescentou que também espera conversar com o presidente russo Vladimir Putin “em breve, o quanto eu quiser”.
Quanto a Putin, a agência de notícias estatal russa TASS citou-o dizendo neste sábado que, “se Kiev não estiver disposta a resolver a questão pacificamente, a Rússia alcançará todos os objetivos da operação militar especial por meios militares”, usando um eufemismo para a guerra na Ucrânia.
No total, a Rússia lançou 519 drones e 40 mísseis contra a Ucrânia durante a madrugada, segundo a Força Aérea Ucraniana.
Zelensky afirmou na manhã deste sábado (27) que, embora as autoridades russas estejam em negociações para pôr fim aos combates, a violência em curso fala por si só.
Os ataques mais recentes visaram principalmente a infraestrutura de energia e civil na capital, disse o presidente ucraniano.
“Em alguns bairros da capital e da região, a eletricidade e o aquecimento estão indisponíveis”, relatou ele. “Os esforços de combate aos incêndios estão em andamento.”
Incêndios começaram por toda a cidade, consumindo uma oficina mecânica e diversos prédios residenciais, e forçando idosos a fugirem um lar de repouso devido à propagação das chamas, segundo o Serviço de Emergência de Kiev.
Referindo-se ao recente envolvimento da Rússia em negociações com representantes dos Estados Unidos para pôr fim aos combates no país, Zelensky escreveu na rede social X, após o ataque, que “os representantes russos participam de longas conversas, mas, na realidade, os Kinzhals e os ‘shaheds’ falam por eles”.
A fala se refere aos mísseis Kinzhals e aos drones Shaheds, usados por Moscou na guerra.
Ele acrescentou: “Essa é a verdadeira atitude de Putin e seu círculo”.
Em resposta aos ataques, a Polônia enviou caças e fechou temporariamente dois aeroportos, informou a agência de notícias Reuters, citando uma publicação da Agência Polonesa de Serviços de Navegação Aérea no Facebook.
Autoridades americanas disseram estar esperançosas que o encontro entre Zelensky e Trump no domingo (28) seja produtivo, após uma semana de intensos esforços entre negociadores dos Estados Unidos e da Ucrânia.
Embora as autoridades não tenham mencionado um objetivo específico para a reunião, o presidente ucraniano disse ao Axios na sexta-feira (26) que desejava concluir um acordo para pôr fim à guerra.
Não se espera que a reunião inclua líderes europeus, segundo autoridades americanas e europeias.
No entanto, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, participará de uma chamada telefônica no sábado com Zelensky, Trump e outros líderes europeus, disse um porta-voz da Comissão à Reuters.
Os ucranianos vêm pressionando por um encontro entre Zelensky e Trump há meses, afirmaram autoridades europeias. Os europeus esperam uma reunião positiva, pois descrevem a dinâmica atual entre os EUA e a Ucrânia como produtiva.
Ainda assim, reconhecem que o resultado de qualquer encontro com Trump é imprevisível.
“Não existe cenário de baixo risco com Trump”, disse um funcionário da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Estratégia ucraniana
Em preparação para a reunião de domingo, Zelensky afirmou na sexta-feira que havia conversado com os líderes da Otan, Canadá, Alemanha, Finlândia, Dinamarca e Estônia para coordenar suas posições.
No início desta semana, o ucraniano ofereceu-se para fazer concessões em algumas das questões mais espinhosas que até agora têm paralisado o processo de paz mediado pelos EUA com a Rússia.
Não está claro, no entanto, se as concessões de Zelensky satisfarão o Kremlin.
Questionado sobre a possível disposição de Kiev em considerar concessões territoriais para um acordo de paz, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse à CNN que "ceder o restante de Donetsk poderia contribuir significativamente".
O plano de paz inicial de 28 pontos, que surgiu em novembro após negociações entre os Estados Unidos e a Rússia, foi criticado pelos aliados da Ucrânia por favorecer fortemente Moscou.
Após semanas de negociações entre autoridades ucranianas e americanas, essa versão foi reduzida ao plano atual de 20 pontos, que Zelensky afirmou poder servir como um "documento fundamental para o fim da guerra".
Últimas informações sobre as negociações de paz
Zelensky disse a jornalistas que a Ucrânia não recebeu uma resposta oficial do Kremlin à última proposta. Ele afirmou que Kiev está negociando exclusivamente com Washington, que por sua vez está se comunicando com Moscou.
Caso a Rússia não concorde com o plano de paz elaborado pela Ucrânia e pelos Estados Unidos, o governo ucraniano sugeriu que mais esforços devem ser feitos para forçar Moscou a mudar de ideia.
"Se a Ucrânia demonstrar que sua posição é construtiva — e a Rússia, por exemplo, não concordar, então a pressão (existente) não será suficiente", expressou Zelensky, acrescentando que deseja discutir o assunto com Trump.
As principais exigências da Rússia são que a Ucrânia abandone sua ambição de ingressar na Otan — uma perspectiva distante antes de Moscou lançar sua invasão total do país em fevereiro de 2022 — e que as forças armadas de Kiev se retirem completamente das regiões de Donetsk e Luhansk, no leste da Ucrânia, uma vasta área conhecida como Donbas.
Foi nessa região que o Kremlin começou a desestabilizar a Ucrânia em 2014, ajudando separatistas pró-Rússia a obter o controle da maior parte da área. O Donbas foi finalmente anexado ilegalmente pela Rússia em setembro de 2022.
Zelensky ofereceu concessões em ambas as questões. Durante uma ampla coletiva de imprensa na terça-feira (23), para discutir o novo plano de paz de 20 pontos, o presidente ucraniano disse que Kiev buscava garantias de segurança de seus aliados que "espelhassem" o Artigo 5 da Otan — que exige que todos os membros defendam qualquer membro que tenha sido atacado — mas que não buscaria mais a adesão plena à aliança militar.
O líder também afirmou que a Ucrânia estaria disposta a retirar suas tropas de partes da região de Donetsk que não estão atualmente ocupadas por forças russas.
O presidente afirmou que qualquer retirada de tropas teria que ser recíproca, com Moscou cedendo tanto território ucraniano quanto o cedido por Kiev e essas áreas do Donbas sendo desmilitarizadas como consequência.
No início deste mês, Zelensky observou que os negociadores americanos queriam que esses territórios se tornassem “zonas econômicas livres” assim que todas as tropas fossem retiradas.
A Constituição da Ucrânia exige que quaisquer alterações nas fronteiras do país sejam aprovadas em referendo. O presidente reiterou na sexta-feira (26) que "o destino da Ucrânia deve ser decidido pelo povo ucraniano" e afirmou que os aliados do país "têm poder suficiente para pressionar a Rússia ou negociar com os russos" para garantir que qualquer plebiscito desse tipo possa ser realizado em segurança. (CNN)