Nova série do Prime Video revela desdobramentos sobre casal brasileiro investigado por escravizar empregada doméstica nos Estados Unidos
Em 2022, um podcast do jornalista Chico Felitti revelou ao Brasil a história de Margarida Bonetti, enigmática moradora de uma mansão em ruínas em Higienópolis, São Paulo. Foragida dos Estados Unidos, ela era investigada por submeter uma empregada doméstica a condições análogas à escravidão.
Três anos depois, o caso volta à tona com a estreia, nesta sexta-feira (15/8), de um documentário em três episódios no Prime Video. A produção traz, pela primeira vez após duas décadas do julgamento, o depoimento de Hilda dos Santos, vítima dos abusos ocorridos na década de 1990.
Com muita coragem, Hilda detalha a rotina na casa dos Bonetti: espancamentos, geladeira com cadeado e negligência médica. Carregando um tumor no abdômen, ela só conseguiu fugir da residência anos depois com a ajuda de vizinhos. O conteúdo é tão impactante que a série exibe avisos sobre cenas sensíveis.
Quando o podcast foi lançado, Hilda preferiu o silêncio. Hoje, mesmo com a dor que sente ao relembrar as agressões, rompe o anonimato para representar outras vítimas.
“Ela já transbordou contando a história da Margarida e o que tinha acontecido com ela. Então deu para ver que ela tinha uma necessidade de falar disso”, afirma a diretora Kátia Lund. “Ela só decidiu mesmo falar para o cinema e transformar isso num trabalho quando ela percebeu que, falando, ela poderia representar muita gente, que tinha muita gente que tinha passado pelo que ela tinha passado.”
O caso expõe feridas abertas da escravidão no Brasil. Um exemplo disso está no projeto original da casa dos Bonetti, que contava com um cômodo chamado criada, para acomodar trabalhadoras que viviam com a família. “É tão irrigado na nossa sociedade a ideia de ter uma pessoa dentro da nossa casa, vivendo”, explica Kátia.
Produzido pelo Coiote, o lançamento do Prime Video conta com produção executiva de Katia Lund, Marcia Vinci, Gil Ribeiro, Margarida Ribeiro e Chico Felitti.
Cultura escravocrata
Hilda começou a trabalhar para a família em São Paulo e, quando Margarida se casou, foi levada para fazer o trabalho doméstico para o casal nos Estados Unidos. A ex-patroa colocou como condição que a empregada fosse levada, já que não queria ter trabalho com a nova residência.
Depois que as condições desumanas em que vivia foram reveladas, Hilda se tornou símbolo da luta contra o trabalho escravo. Em 2023, o Global Slavery Index estimou que mais de um milhão de pessoas ainda viviam nessa condição no Brasil.
Rene Bonetti foi condenado a seis anos de prisão nos EUA. Já Margarida se escondeu no Brasil, dentro do casarão em ruínas, até o crime prescrever. Nenhum dos dois quis falar para o documentário. Enquanto a vítima decidiu expor os abusos, o ex-casal permaneceu em silêncio.
Repercussão
Quando o podcast foi lançado em 2022, a fachada da casa em Higienópolis se tornou palco de protestos e multidões, bem como de ações policiais e matérias jornalísticas. A reação das pessoas influenciou no cuidado adotado com a nova série, para que ações violentas não fossem motivadas pela produção.
“A gente achou melhor sempre avisar: ‘Olha, gente, isso aqui é uma história. Isso aqui é um documentário, uma história real’. Que isso não motive ninguém a fazer nada no mundo real. Que isso motive as nossas decisões como sociedade. Que essa história sirva para isso, não para alguém fazer alguma coisa no mundo real com as próprias mãos”, reforça Felitti, produtor executivo do documentário.
Apesar da revolta desencadeada pelo caso, os 388 anos de escravatura ainda refletem em um grupo de pessoas que enaltecem as atitudes de Margarida, como revelou a roteirista Mari Paiva. A oposição das reações revela que, assim como a casa abandonada, os resquícios da escravidão no Brasil estão em ruínas, mas não desabaram por completo.
“Ela sabe que ela cometeu um crime e tenho certeza que ela vai assistir também. Pode ser que ela até mude de opinião depois de ouvir a Hilda, não sei. Eu sou muito curiosa com toda essa repercussão, de como a Margarida vai assistir a série e o que ela vai pensar vendo a Hilda contando a versão dos fatos”, opina Paiva.
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