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Fest CineAmazônia faz falta em tempos de violência e do fim dos pajés na região amazônica ocidental

Fest CineAmazônia faz falta em tempos de violência e do fim dos pajés na região amazônica ocidental

MONTEZUMA CRUZ*

Como faz falta o Fest CineAmazônia! No atual período de envenenamento agropecuário e ataques latifundiários madeireiros a acampamentos camponeses na região, a presença dos seus organizadores, Jurandir Carvalho e Fernanda Kopanakis é imprescindível. O Governo Federal deve sentir falta do trabalho deles e de uma equipe fabulosa que levava a sétima arte aos cantões rondonienses, áreas ribeirinhas, florestas, praças públicas, inclusive na Bolívia e no Peru. Mas não deve se limitar à saudade; bem que poderia trazer de volta o Festival, ao vivo, com todas as suas emoções.

Foto - Arquivos Fest Cine

Crianças acompanhadas pelas mães e pais, adultos e idosos prestigiavam sessões  notáveis que extrapolavam a projeção cinematográfica ambiental, reunindo-os em praças ou sob lonas para eletrizantes e conscientizadoras apresentações teatrais. Já em 2016, em sua categoria itinerante, aquele Festival alcançava praticamente a metade do percurso entre as margens dos rios Mamoré e Guaporé, na fronteira brasileira com a Bolívia.

Feito inédito na historiografia do cinema sul-americano, o Festcine levou com êxito o cinema, o circo e oficinas para comunidades ribeirinhas, quilombolas e pequenos distritos entre Brasil e Bolívia. À frente, os palhaços Chiquita e Cotonete mobilizavam o público acomodado em cadeiras e até no chão.

Incrivelmente, um madeireiro da região do Abunã, dialogando com a equipe, se dispôs a fomentar o manejo de árvores, algo que já havia buscado. De onde se vê quem nem tudo está perdido, apesar da motosserra e da ganância desenfreada de alguns. 

Quem participou dessas atividades guardou para sempre as mais sublimes lições de uma cultura que saiu dos grandes centros para se aproximar daqueles quase invisíveis,só lembrados em tempos de campanhas de saúde, ou quando viajam milhas e léguas, por rios e estradas, para vender sua produção de hortifrútis, farinha e castanha ao comércio das cidades. 

A trajetória do Festival sofreu interrupção antes mesmo da pandemia que paralisou o mundo e fez a arte e a cultura chocar-se com um governo pobre de espírito e sem a menor disposição em apoiar o setor. E assim ficaram na saudade aquelas incursões brasileiras em território boliviano e peruano.

Foto - Arquivo Fest Cine

Viagens da equipe dirigida por Fernanda e Jurandir  nesta parte do norte brasileiro e na fronteira com esses dois países vizinhos se tornaram um marco só valorizado por educadores e autoridades municipais ou distritais que aceitaram receber o Festival itinerante por considerá-lo essencial à formação cultural das pessoas.

A primeira parada da itinerância fora inédita pela lotação, sempre superior a cem pessoas, a exemplo da Reserva Extrativista Rio Ouro Preto, no município de Guajará-Mirim, a 380 quilômetros de Porto Velho, em plena floresta. Em seguida, o antigo distrito de Iata, antigo polo agrícola do antigo Território Federal de Rondônia. Depois, o teatro e o cinema fez a alegria dos organizadores e do Ministério da Cultura nas cidades homônimas de Guajará Mirim e Guayaramaerín (Departamento de Beni, Bolívia).

Na memória dos que acompanhavam essas viagens estão vivos esses bons momentos. A primeira parada em San Lorenzo, próxima ao Rio Mamoré, mostrou aos organizadores do Festival uma comunidade simples onde a escola, a pracinha, a pequena igreja e o posto de saúde se destacavam. Em frente ao rio, botos exibiam-se aos olhos de visitantes que nunca os havia visto anteriormente. A natureza, o cinema, o teatro e o circo, de mãos dadas, proporcionaram dias felizes na fronteira.

Em maio de 2022, três anos atrás, a 18° edição do Cineamazônia - Festival de Cinema Ambiental, online e gratuitamente, o Festival inteirava sua maioridade e os 40 anos de Rondônia.

Pois bem, conforme frisei inicialmente, o mais antigo e maior festival de cinema ambiental da Amazônia encontraria de novo, agora, a melhor forma de conscientizar as pessoas contra o barbarismo que temos visto na região, e faz parte disso, o reconhecimento às pessoas como indispensáveis à sobrevivência de milhares de famílias que não se alimentam de soja, porém, plantam e consomem alho, batata, açaí, cupuaçu, cebola, inhame, mandioca, milho, feijão, frutas diversas, café (!). Nessa sobrevivência, brancos e indígenas também colhem ouriços das milagrosas castanheiras que ainda teimam em ficar. E é no quintal deles que os grandes compram essas castanhas e o já milionário café.

A volta do Cine Amazônia  parece-me essencial por traduzir a verdadeira integração das pessoas, concentrando crianças e jovens artistas em animadas oficinas teatrais, cinematográficas e circenses. Hoje, a juventude indígena já produz seus próprios documentários, curtas metragens, fazendo o "milagre do santo da casa", toda vez que encontram público disposto a conhecer sua história e cultura. 

Em minhas andanças pelo território Paiter Suruí conheci seu Luiz, agente de saúde, que já catalogou mais de 30 plantas essenciais ao tratamento de diversos problemas de saúde (respiratórios, rins e fígado, e mentais), mas, infelizmente, lá está confinado na Aldeia Lapetanha, sem que as Universidades tenham chegado até lá. Numa das margens do Rio Guapó eu experimentei a orssaia (pronuncia-se: osrraia), indicada para o controle da sinusite.

Antes que um laboratório multinacional apareça, precisamos aqui lembrar que o País trabalha com sua Agência Nacional de Vigilância Sanitária; técnicos do Ministério da Saúde sabem orientar a busca de recursos para pesquisas; e o cinema, quem sabe, daria visibilidade aos conhecimentos que antigamente pertenciam somente aos pajés. E cadê os pajés? Sumiram, se evangelizaram, parecem envergonhados de seus antigos feitos – muito antes da covid-19. 

Texto anterior - Entre o romantismo e a zona do meretrício, aborto afetava a sobrevivência de mulheres

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*Chegou a Rondônia em 1976. Em dois períodos profissionais esteve no Acre, norte mato-grossense, Amazonas, Pará e Roraima, a serviço da Folha de S. Paulo, O Globo e Jornal do Brasil. Acompanhou a instalação do Centro de Triagem de Migrantes em Vilhena e a chegada dos recursos financeiros da Sudam, Polamazônia e Polonoroeste durante a elevação do antigo território federal a estado. Deu ênfase à distribuição de terras pelo Incra, ao desmatamento e às produções agropecuária e mineral. Cobriu Mato Grosso antes da divisão do estado (1974 a 1977); populações indígenas em Manaus (AM); o nascimento do Mercosul (1991) em Foz do Iguaçu, na fronteira brasileira com o Paraguai e Argentina; portos, minérios e situação fundiária no Maranhão; cidades e urbanismo em Brasília (DF).

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