Brasil — A Cracolândia, por anos símbolo do colapso urbano e social no coração da capital paulista, parece ter sumido da Rua dos Protestantes, onde cerca de 200 pessoas se concentravam até a semana passada. Mas o problema não foi resolvido — apenas se espalhou.
Após operações policiais intensificadas, a clássica aglomeração de dependentes químicos se esvaziou de forma repentina, dando lugar a pequenos grupos dispersos pela região central da cidade, como se o fluxo tivesse sido pulverizado. Praça Marechal Deodoro, Rua General Osório e arredores do Terminal Princesa Isabel agora abrigam novas “mini Cracolândias”, onde o consumo de drogas, álcool e a presença de traficantes continuam — só que com menos visibilidade.
Nesta quarta-feira (14), ao menos 50 usuários foram contabilizados na Marechal Deodoro, misturando-se a pessoas em situação de rua. Segundo trabalhadores da ONG Oficina Pão do Povo da Rua, que atua no local, o número de atendimentos subiu de uma média de 160 para quase 200 pães distribuídos em um único dia. Moradores e comerciantes também já sentem o impacto: “A praça está ficando mais cheia sim. A gente percebe isso”, disse um frentista da região.
O desaparecimento-relâmpago do ‘fluxo’
Imagens captadas nos últimos dias mostram a Rua dos Protestantes completamente vazia. O silêncio contrasta com a movimentação intensa registrada no local até poucos dias atrás. Viaturas da Guarda Civil Metropolitana (GCM) seguem posicionadas por ali, mas os usuários se foram.
De acordo com o prefeito Ricardo Nunes (MDB), o esvaziamento causou surpresa. Já o vice-prefeito Mello Araújo (PL), que coordena a segurança urbana, afirmou que duas ações retiraram 120 pessoas do local. “Não removemos ninguém à força”, garantiu o secretário de Segurança Urbana, Orlando Morando, apesar de ONGs como a Craco Resiste denunciarem abordagens violentas e higienistas.
Nova Cracolândia em construção?
Com o “fim” da concentração clássica, a pergunta que fica é: para onde foram os usuários e traficantes?
A dispersão atual segue um padrão já observado em outras operações, como a de 2022, quando o “fluxo” deixou a Estação da Luz e se espalhou por Santa Ifigênia, Campos Elíseos, Princesa Isabel e Minhocão. O cenário se repete agora, com grupos menores de 10 a 20 pessoas ocupando pontos estratégicos, muitas vezes próximos a centros de assistência social ou em áreas de menor circulação policial.
O promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que atua no combate ao crime organizado, afirma que o Ministério Público e outras instituições estão prontas para agir. “Se tiver nova Cracolândia, nós vamos atuar. Essa operação não tem data para acabar”, declarou em entrevista à CNN. Ele destaca que o trabalho precisa ser multiagência, com ação coordenada entre Estado, prefeitura, Ministério Público e forças de segurança.
Tráfico em mutação
Gakiya explica que o objetivo não é apenas dispersar os usuários, mas desmontar o que chama de “ecossistema criminoso” que sustenta o fluxo: tráfico de drogas, exploração de pessoas em situação de rua, receptação de produtos furtados e um ciclo de violência constante.
“Estamos monitorando os novos pontos. Se houver reinstalação de concentração, vamos expandir a operação para onde for preciso”, afirmou o promotor, que também considera ampliar o modelo para outras cidades do Estado.
Entre a repressão e a omissão
Enquanto o poder público insiste no enfrentamento policial, ONGs e especialistas alertam: a Cracolândia não desaparece — ela migra. A repressão pontual, sem investimento robusto em tratamento de saúde mental, moradia, emprego e acolhimento social, apenas muda o cenário, mas não resolve o drama.
“A retirada da rua dos Protestantes não foi uma solução, foi um deslocamento”, afirma um agente da saúde que atua na região. “E cada vez que esse ciclo se repete, o problema volta mais fragmentado e mais difícil de ser tratado.”
A cidade agora acompanha, apreensiva, o próximo movimento de um problema que há décadas desafia políticas públicas, desafia governos — e desafia a própria ideia de cidade justa. (cm7)
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