Canais na Rédea Curta e Deu M são contemplados pelo projeto Fundo Vozes Negras.
Construindo narrativas positivas, não
somente aquelas que costumamos ver nos noticiários, as periferias são palco de
talentos e potências artísticas brasileiras que revelam realidades diferentes e
constroem narrativas que falam de si e põem os seus iguais em destaque.
Diferentes grupos usam a internet para alcançar outros milhares de pessoas com
representatividade negra através do humor, cultura pop e outros temas.
Da Zona Norte carioca, o Canal Deu M é feito por um coletivo de jovens negros que buscam representar, através de filmes e séries produzidos por eles mesmos, as vivências de tantos outros jovens brasileiros. Criado desde 2015 pelo ator Victor Marinho, o canal já passou por diferentes fases e, atualmente, foca em produções mais robustas que naturalizam o afeto entre pessoas LGBTs. “Nossas produções nasceram da falta que a gente sentia em ser representado, além de mesmo fazendo teatro, não termos a oportunidade para interpretar determinados personagens de destaque. Então, a gente se deu essa oportunidade de nos colocarmos nesse lugar de protagonismo com as histórias que criamos com o nosso olhar”, explica Victor. Além dele, o Deu M é o resultado das ideias da Sara Chagas, Mateus Scalabrini e Carlos Matheus. O coletivo não para por aí e conta com outros jovens atores que variam de acordo com a produção.
A intenção
do grupo é quebrar o lugar comum em que os atores negros são postos para
representar “somente o filho da empregada”. Victor defende a pluralidade de
histórias que são possíveis de serem vividas pelo elenco do canal. “Não é sobre
querer viver personagens ricos que são ainda muito distantes da nossa
realidade. A ideia é mostrar dentro da favela pessoas com histórias diferentes.
Nem todo mundo enfrenta uma dificuldade ao ponto de passar fome. A galera ainda
tem uma visão da favela muito estereotipada nesse sentido”.
Já em Salvador, na Bahia, a dupla de amigos e atores Sulivã Bispo e Thiago Almasy se uniu para retratar de forma bem-humorada o cotidiano de uma mãe e seu filho na periferia da cidade. Na Rédea Curta, canal criado desde 2018, Mainha e Junior investem no humor de identificação e oferecem um olhar alternativo ao recorte de sofrimento e falta de oportunidade tão associado aos moradores de bairros periféricos.
“Quando eu
e Thiago decidimos trazer nossas verdades para a websérie, contando a história
das nossas mainhas, trouxemos para as telas um humor de identificação, tendo
como pano de fundo a ideia de valorizar nossas narrativas e a periferia de
Salvador, que é a cidade mais preta fora da África. Os episódios podem ser
assistidos por toda a família e os personagens não são absurdos. Se por vezes
parecem ser, é porque as mães têm horas que realmente são absurdas”, diverte-se
Sulivã, que vive o papel de Mainha, a genitora linha dura e absurda de Junior,
o filho meio birrento e acomodado, interpretado por Thiago.
O dia a dia
agitado e barulhento entre os dois costura uma relação de afeto entre uma mãe
solo e seu filho. Para Thiago, diretor e roteirista da produção
audiovisual, um dos objetivos é fazer com que
inúmeras relações da vida real entre outras mainhas e juniors sejam
naturalizadas e representadas com carinho nas telas. “Queremos
entregar um olhar sobre a periferia que torne aquelas relações, aquelas pessoas
e aquelas famílias dignas de complexidade, mostrando que essa coletividade é
feliz e consegue atravessar as adversidades com vínculo e com afeto. Nosso
objetivo é que os moradores da periferia se olhem e se sintam naturalizados”,
comenta Almasy.
Educação para poder ver além
Os
episódios da websérie Na Rédea Curta têm como pano de fundo os dilemas de
Mainha diante dos desafios de educar seu filho único, Junior, um jovem
iniciando a vida adulta que sempre é flagrado pela mãe aprontando e
desobedecendo suas ordens. “Direta ou indiretamente, a gente fala da solidão da
mulher negra, do medo que mainhas sentem quando os filhos não voltam logo para
casa. A gente fala do receio de uma mãe com a educação de um filho e tá falando
de violência também”, reflete Sulivã, que assina todo o figurino da nova
temporada do canal. Por meio do que define o ator como “humor conscientizado”,
as estórias reverberam mensagens importantes sobre o papel da educação na
transformação social.
Conscientes
de suas responsabilidades sociais enquanto profissionais da arte, Thiago e
Sulivã reforçam que construir esses personagens – Mainha é uma professora
formada em magistério – cumpre essa função de defender a educação como o
caminho para que as pessoas tornem possível o que desejam. “Quando você tem uma
boa educação de base, você consegue ser qualquer coisa que você quer ser, mesmo
tendo racismo e você precisando brigar 10 vezes mais. A educação é o único viés
revolucionário que diz 'não, você pode, você consegue'”, defende Sulivã,
reforçando a importância de uma postura antirracista diante da desafiadora e
desestruturante vida na periferia. “Ali as pessoas estão fadadas a um destino meio
que pré-programado. São pouquíssimas as que conseguem cruzar as fronteiras da periferia.
A educação tem o poder de fomentar sonhos e construir outras realidades. A
gente acredita que pode confabular outros caminhos possíveis”, completa Thiago.
Para
Victor, do Deu M, por mais que a educação não seja uma pauta direta nas
produções do grupo, nas entrelinhas, a discussão é essencial para que cada ator
entenda a sua essência e papel transformador no mundo. “você entende como
funciona tudo o que o racismo produz, você começa a aprender a burlar esse
sistema. Você passa enxergar melhor o lugar em que está, aprende a lidar com
ele e como mudar sua realidade”, explica.
Reconhecimento
do YouTube
Na pandemia, os dois canais passaram
por dificuldade para seguir com suas produções. Em 2022, no entanto, essa
realidade pode ser mudada com investimentos do Fundo Vozes Negras do YouTube.
Os dois projetos estão entre 35 canais brasileiros que passaram a receber
recursos e capacitação da plataforma mundial para investirem na produção de
conteúdo. Em todo mundo, apenas 135 canais foram selecionados pelo YouTube.
“Iniciativas de apoio como essa são
capazes de mudar o rumo da história de jovens da periferia como nós, oferecendo
a possibilidade de revelar nossos talentos e chegar muito mais longe, uma vez
que, infelizmente, a falta de perspectiva ainda é uma realidade presente. No
nosso caso, o Fundo Vozes Negras vem em um momento de extrema importância para
o canal, porque depois de ficar dois anos parados por conta da pandemia,
tivemos que parar para analisar se seria possível continuar gravando esses
vídeos e contando nossas histórias”, realça Thiago.
A
repercussão na vida dos atores é ainda maior. O YouTube está oferecendo um
ano inteiro de suporte. Aulas de mentoria, desde como analisar dados e
frequência de conteúdo até entender sobre recebimento de valores pelo AdSense,
planejamento e gestão financeira, YouTube
Analytics, e aulas de
produção, captação, iluminação e edição fazem parte dos conteúdos que
estão sendo ministrados. “É um pacote de encontros voltado para que nós
criadores consigamos olhar para nossos números e nossos conteúdos a partir de
uma visão mais sofisticada. Até sessão de yoga vamos ter, para relaxar e
desacelerar um pouco. É um cuidado que vai além da dimensão técnica, abraçando
cada um como pessoa”, comemora Thiago.
Para o canal Deu M, que antes já
tinha uma produção mais frenética de conteúdos, o apoio é como uma confirmação
do seu propósito. “Chegou para poder somar real e fora o aprendizado que vai
ser repassado. Nós do canal estamos muitos felizes e com certeza mais portas
irão se abrir a partir disso. Chegou como alguém dizendo: ‘ei, não desiste, a
gente acredita em vocês’”, finaliza Victor do Deu M.
Fonte: Agência Educa Mais Brasil.
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