Repórter deixou trabalho na TV pra cuidar da
saúde mental.
Enquanto muitas pessoas têm a opção
de ver televisão na hora que quiserem, mudar de canal e escolher o que leem ou
ouvem, os jornalistas precisam estar conectados a todo
momento com as notícias. E isso tem suas consequências. Nos bastidores da
notícia, os profissionais de imprensa se veem cansados e desafiados a manter
boa saúde mental em meio ao contato diário com diferentes histórias - muitas
delas negativas e envolvendo tragédias.
A ciência confirma que profissionais
da imprensa estão mais expostos a situações que
podem gerar gatilhos para traumas, ansiedade, Síndrome de Burnout, estresse e
outros transtornos mentais. Em situações de tragédia ou violência, o jornalista
assume o papel de testemunha da história, demonstrando sentimentos como
angústia, desespero e indignação. “O profissional da imprensa pode sofrer danos
psicológicos em três diferentes estágios do seu trabalho: como testemunha ou
participante do evento; ao comunicar e demonstrar compaixão para as vítimas; e
ao contar suas histórias para o público”, explicou a doutora Cait MacMahon,
diretora do Dart Center for Journalism and Trauma em entrevista para o
site Global Investigative Journalism Network.
O 15 de janeiro de 2022 era para ser
mais um dia de trabalho cumprindo pauta de reportagem para uma emissora de TV
da capital baiana, quando o jornalista Dinho Júnior, 28 anos, ficou em meio a
um tiroteio em uma das estações de transbordo mais movimentadas de Salvador.
Toda a cena foi transmitida Ao Vivo. [Veja aqui o vídeo]
O ocorrido foi um dos motivos que
levaram o jornalista a deixar a desejada carreira na TV para se dedicar ao
radiojornalismo. Todo o estresse do trabalho, para ele, já não valia mais a
pena. “Desde quando comecei a trabalhar em TV, há cinco anos, minha rotina
sofreu grande mudança. Fui desafiado a acordar às 5h para estar na televisão às
6h. Tinha uma jornada de seis horas na televisão, que é estar na rua gravando
matérias, fazendo Ao Vivo... sempre fiz três ou quatro matérias. Então, o
trabalho era bastante desgastante. Isso com o tempo me trouxe algumas
consequências físicas e emocionais. Antes da televisão eu era um cara que
treinava, participava de campeonato de Crossfit, gostava de ter uma vida mais
ativa. No momento que entrei na TV, larguei a dieta, parei de treinar por um
tempo por causa da carga de estresse altíssima”, explica Dinho.
O jornalista chegou a ser alertado
pela sua médica sobre as consequências que o estresse estava causando na sua
saúde. “Em apenas um ano de trabalho na TV, tive uma crise de enxaqueca que
nunca havia tido. Segui por cinco anos por causa do sonho de trabalhar nessa
área. Eu me dividia em quatro funções diariamente: repórter na TV pela manhã, à
tarde assumia como coordenador artístico de uma rádio, fazia apresentação do
programa e ainda gravava conteúdos para a internet. Porém nos últimos dois anos
já estava pensando em sair da TV”, pontua.
Para Dinho, investir em terapia foi
importante para aprender a lidar com o desgaste emocional da profissão. “Quando
aconteceu aquele tiroteio para mim foi um aviso. Acredito muito no processo
energético da vida, eu estava insatisfeito com a rotina e com a carga de trabalho
que eu tinha, então precisava escolher entre um trabalho e outro”, comenta o
jornalista.
Ele lembra que a sua estreia na TV
foi cobrindo um duplo homicídio no bairro onde morava. “Falar sobre um homem e
uma mulher que levaram 40 tiros mexeu muito comigo. Nessa realidade dura do Hard
News, eu entendi que precisava de um suporte emocional. A terapia me ajudou
muito nesse processo. Agora, longe da TV, estou voltando a me exercitar, já
consigo treinar boxe, pedalar, caminhar e correr”, celebra.
Quando questionado sobre o que
considera mais desgastante na profissão, Dinho destaca a sobrecarga emocional.
“Para mim, a pior consequência da atividade do jornalista é o estresse,
principalmente para quem trabalha na televisão porque está o tempo inteiro
sendo cobrado a ser rápido nas locações, entregar logo a matéria, a criar uma
boa narrativa, render no Ao Vivo...
então, é um desgaste absurdo. Quando o jornalista está na rua é como se o
cérebro fosse condicionado a trabalhar de uma maneira muito mais rápida,
intensa, e isso causa um estresse muito grande, é uma pressão para estar o
tempo todo atento a todas as demandas que são necessárias para entregar a
melhor notícia e com a velocidade que o jornalismo cobra”, avalia Dinho Júnior.
Pesquisas confirmam que jornalistas
estão mais estressados
Além da dificuldade para gerir as
emoções da carga de trabalho, a falta de apoio psicológico para o profissional,
de estrutura adequada e baixa remuneração salarial têm impactado na saúde
mental dos jornalistas. No quesito financeiro, muitos profissionais da área têm
que acumular funções e trabalhar em mais de um veículo de comunicação para
aumentar a renda, ocasionando em mais sobrecarga.
Nos últimos anos, houve piora nos
sintomas psicológicos apresentados pela maioria dos profissionais do
jornalismo. O Instituto Reuters confirmou que, por causa do exercício da
profissão na pandemia, 70% dos jornalistas entrevistados apresentaram algum
sofrimento psicológico; 26% apresentaram Transtorno de Ansiedade Generalizada e
11% sofriam de Transtorno de Estresse Pós-Traumático.
A pesquisa Jornalismo em Tempos de
Covid-19 concluiu que 77% dos jornalistas entrevistados relataram algum tipo de
estresse relacionado ao trabalho — 57% disseram ter tido a produtividade
afetada; 44% identificaram piora no relacionamento com família e amigos; e 59%
disseram ter se sentido deprimidos ou ansiosos em algum momento.
O amapaense Chico Terra há 21 anos
trabalha com Jornalismo e, atualmente, mantém o site Amazônia Brasil Rádio Web.
Ele sente sintomas nítidos de estresse relacionados à profissão e acredita que
os profissionais da área precisam de suporte psicológico. O jornalista Gustavo
de Abreu Carvalho, que também está na área há 21 anos e atualmente escreve para
o Folha 1, no Rio de Janeiro, concorda que a profissão se tornou ainda mais
pesada nos últimos tempos. “Principalmente no período de pandemia, são muitas
notícias ruins ao mesmo tempo”, avalia.
À Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo (Abraji), jornalistas relataram como se sentiram trabalhando
durante a pandemia, a exemplo de Bibiana Garrido, cofundadora e editora do
Jornal Dois: “Ao vivenciar tais experiências, ao testemunhar, a cada semana, a
cada mês, o número de famílias em barracos aumentando, dizendo que não tinham
mais jeito de continuar, assentamentos sob ameaça de reintegração de posse em
meio ao caos da covid-19, famílias tentando reconstruir suas vidas ou apenas
sobreviver, pessoas morrendo, amigos morrendo, professores em greve para tentar
salvar as vidas da comunidade escolar longe das aulas presenciais, negacionismo
da administração pública, trabalhadores de mãos atadas. É um baque. O choro
veio, certamente, veio", disse.
Como cuidar da saúde mental na
profissão
No seminário Self-Care and Peer
Support for Journalists During, Cait McMahon, doutora em Psicologia e diretora do Dart Center
Ásia-Pacífico, deu algumas dicas para melhorar a saúde mental dos jornalistas.
Confira:
1. Experimento mental: crie em sua
mente um lugar seguro, com sensações auditivas e físicas. Mantenha a imagem
desse espaço e visite-o por 5 ou 10 minutos todos os dias. O cérebro precisa
deste distanciamento psicológico do trauma que se está cobrindo para poder
funcionar.
2. Seja um bom colega: utilize
qualquer rede social ou aplicativo de videochamada para ficar em contato com
seus companheiros de trabalho ao início de cada jornada. Mantenha-se alerta
sobre o estado de ânimo de seus colegas. Leve em conta que para algumas pessoas
é difícil pedir ajuda.
3. Disciplina com o autocuidado:
mantenha rotinas de autocuidado com o apoio dos diretores e editores do seu
meio de comunicação.
4. Limites e distâncias: estabeleça
um plano de trabalho e siga-o. Exercite-se, ainda que seja uma aula curta de 10
minutos de yoga. Descanse durante a cobertura ou produção da história para
voltar ao trabalho com o olhar renovado. Considere mudar ocasionalmente o lugar
de trabalho na casa.
5. Propósito claro: acredite em seu
papel como jornalista em meio à crise para lidar com o estresse de uma melhor
maneira. Escreva uma frase na qual sua missão esteja clara. Isso te ajudará a
lembrar do teu trabalho de divulgar histórias claras, precisas e éticas.
07 de abril: Dia do Jornalista
O Dia do Jornalista é celebrado
anualmente no dia 07 de abril. Conta-se que a data faz alusão à morte de João
Batista Líbero Badaró, médico e jornalista, brasileiro de origem italiana, que
foi assassinado por inimigos políticos, em São Paulo, no dia 7 de abril de
1830, durante uma passeata de estudantes em comemoração aos ideais libertários
da Revolução Francesa.
Desde então, a data passou a marcar
homenagear profissionais formados em Jornalismo, que atuam na apuração de fatos
para levar informação sobre os acontecimentos locais, regionais, nacionais e
internacionais nos mais diversos meios de comunicação.
Fonte: Agência Educa
Mais Brasil.